Considerações e opinações sobre a sétima arte.

domingo, 4 de abril de 2010

Um Sonho Possível: O Sentimentalismo Irreal



Um Sonho Possível (The Blind Side), escrito e realizado por John Lee Hancock, é um filme completamente sobrevalorizado. As várias nomeações e prémios que obteve na área do cinema, nomeadamente na gala dos Oscars, não justificam, na minha opinião, os 129 minutos passados na sala de cinema. Um filme cheio de clichés emocionais, banalidade narrativa e muito sentimentalismo gratuito e irreal, sem que, contudo, contenha verdadeira intensidade. Um apelo unicamente comercial. Parte de um molde americanizado e mecanizado, com pouca criatividade, fazendo-se depender do desempenho dos protagonistas para causar o impacto desejado nos nossos corações.
É-nos apresentada, inicialmente, a história verídica da adolescência atribulada do jogador de futebol americano Michael Oher, interpretado por Quinton Aaron, e da forma como foi, consequentemente, resgatado da pobreza por Leigh Anne Tuohy, interpretada por Sandra Bullock. Partindo destas premissas, baseadas em factos reais, o argumento vai, obviamente, restringir-se, tendo em conta os limites naturais da história recontada. Por tanto, ao argumentista não lhe são possibilitadas grandes criações narrativas. A história não poderá voar para além do que foi realmente, salvo alguns pormenores que, alterados, poderão torna-se mais comerciais. Mas seria tão complicado assim, explorar uma visão mais pessoal e mais expressiva desta história (que, apesar de tecer algumas linhas de glória e heroísmo contem traços banais com que já estamos habituados e até enjoados)? Tal interpretação cinematográfica poderia fugir ao caminho fácil da banalidade e do sentimentalismo forçado.
Porém, não foi isso que aconteceu. John Lee Hancock limitou-se a colocar “na chapa” cena por cena, tal e qual como está descrito no livro de Michael Lewis. Assim, apenas trabalhou as personagens de forma a que, enquadrando-as nas premissas iniciais, facilmente trouxessem o sentimentalismo ao de cima. Num outro contexto, talvez tivesse funcionado. Num contexto em que a realidade histórica da narrativa pudesse ser tão surpreendente que falasse por si. Ou no caso da construção das personagens ser tão eficaz que nos faria esquecer tudo o resto. Num caso que não é, de certo, o de Um Sonho Possível. A narrativa é construída de forma demasiado irreal, explorando relações que, por sua vez, são elas mesmas irreais (ou por culpa da má construção do argumento e das personagens ou mesmo por culpa do desempenho dos actores). Passamos o filme inteiro a ver como Michael entra na vida de Leigh simplesmente porque sim, ou mesmo só porque Leigh acordou um dia e resolveu sentimentalizar-se. O que quero focar é o desprendimento à razão lógica que esta narrativa tem. Não estou a falar dos factos reais, mas sim da forma tão crua e artificial como os acontecimentos foram escarrapachados no ecrã, sem se pensar em arranjar um núcleo seguro que pudesse dar mais credibilidade ao fluxo narrativo.
Falemos agora do mais falado: os desempenhos dos protagonistas. De Quinton Aaron pouco tenho a dizer. Nem aquece nem arrefece. Encarna Michael de uma forma minimamente convincente, mas sem ultrapassar os limites do razoável. Um desempenho “normal”. O caos surge, sim, do outro lado do protagonismo. Sandra Bullock vai interpretar Leigh de forma tão peculiar que lhe valeu um Oscar pela academia. (Mas que Oscar tão mal dado!) A interpretação de Sandra Bullock, à semelhança de toda a sua carreira, não passa de uma mera tentativa de brilhantismo. De um breve sopro de representação que não aspira nem um pouco à magnificência que é necessária para merecer um Oscar. E além do mais, é clara, tanto na sua interpretação como na construção da personagem de Leigh, a queda para o sentimentalismo gratuito, que se baseia numa sequência de caretas pouco naturais e, por vezes, pouco contextualizadas. Uma serie de caras de séria, umas outras de emocionada e pouco mais. O guião pouco enriquecido também não permite a Bullock atingir algo de respeitável no que toca aos diálogos. Por todas estas razões, o seu desempenho não ultrapassa o banal.
Um Sonho Possível não é um mau filme, apesar de todo o “mal dizer” que tenho aqui transcrito. Contudo sinto a necessidade de demonstrar o quanto sobrevalorizado foi e continua a ser. Se analisarmos bem, com olhos de ver, sem nenhum sentimentalismo ou parcialidade, chegaremos à conclusão que, no fundo, não passa de mais um pré-filme, um fast-food do cinema, que serve apenas para, de forma fácil e barata, chegar aos corações (e às carteiras) dos mais frágeis.

Um comentário: