Terry Gilliam foi sempre um realizador peculiar. Se recordarmos filmes como o clássico Brazil, Fear and Loathing in Las Vegas (Delírio em Las Vegas) ou mesmo Tideland, compreendemos que o cinema de Gilliam não segue as regras normais. Pelo menos no que toca à estrutura narrativa de um filme. E mais ainda no que toca à exploração da sua própria imaginação cinematográfica. Em The imaginarium of Dr. Parnassus (O Homem que queria enganar o Diabo, na tradução portuguesa) são bastante notórios estes dois factores. Quando se entra na sala de cinema para ver o novo filme de Terry Gilliam, sai-se com a certeza que é um filme deTerry Gilliam. E é essa a principal qualidade deste filme.
A narrativa funciona com base numa história de teor minimamente fantástico. Um homem místico, ancestral, com poderes mágicos. Uma série de apostas com o Diabo em pessoa. Um espetáculo ambulante minimamente bizarro. E um jogo entre dois mundos: O real e o imaginário. Tudo envolto em personagens bastante sólidas e muito bem interpretadas. Mas, como é compreensível, o desenho narrativo é feito em linhas minimamente tortas. Em primeiro lugar, porque se trata de um filme com uma essência surrealista. Em segundo lugar, porque as próprias circunstâncias de produção o requereram (falo da morte de Heath Ledger que interpretou o papel de Tony, umas das personagens, e que morreu ainda sem concluir por completo as filmagens).
Mas este desenho fílmico, no seu todo ou em partes separadas, é um desenho genuinamente artístico. As linhas da acção fazem com que as personagens sejam lançadas num jogo surrealista e imaginário, muito bem tecido por Gilliam, que nos leva a entrar num outro domínio da arte. Um domínio onde as próprias regras lógicas da narração e do próprio cinema são colocadas em segundo plano. Onde o que vale não é a credibilidade narrativa ou a continuidade estrutural, mas sim a relação entre as construções fortes das personagens e as cenas de carácter transcendente e puramente artístico.
Claro que tudo isto é conseguido através de um risco enorme, por parte do próprio realizador. Primeiro, porque, deixando uma linha narrativa frágil, é comum tornar o filme, como um todo, num conjunto solto de cenas. Segundo, porque sem personagens fortes e complexas que segurem o enredo, tudo poderia parecer ridículo e insípido. Aliás, o risco foi tanto que devemos admitir a existência de alguns erros ou lapsos, ou melhor, fluxos criativos levados ao extremo, onde nos perdemos um pouco da narrativa e das premissas iniciais.
A sua qualidade técnica é também um ponto a louvar. Não só nos seus efeitos especiais, mas principalmente pelos fantásticos cenários recriados. Todo o quadro estético, das cenas dentro do imaginarium, torna-se em verdadeiros quadros surrealistas que exploram a iconologia de toda a narrativa em inteligentes construções imagéticas.
Posso apenas concluir reforçando a minha ideia inicial. Terry Gilliam é um realizador único, com o um carácter cinematográfico bastante original e cheio de criatividade. The imaginarium of Dr. Parnassus é prova disso. E é também a prova de que não é necessário aderir à febre do 3D para criar, esteticamente falando, algo belo.
Um filme para ver de mente e imaginação aberta.( Esta crítica está também publicada em http://www.espalha-factos.com/2010/04/the-imaginarium-of-dr-parnassus-o-delirio-surrealista/ )
Estou a 21% de ver esse filme :D E as perspectivas são altas!!
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