Considerações e opinações sobre a sétima arte.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

The Hurt Locker: O Realismo Artístico




The Hurt Locker é uma verdadeira obra artisticamente cinematográfica.  Aposta num realismo bastante concreto de teor quase documental, que, aliado a uma magnífica realização, torna-se bastante orgânico e natural. Decidi adjectivar este filme como algo artisticamente cinematográfico por uma simples razão. A sua essência não se agarra a floreados estéticos, mas sim na qualidade narrativa e, o que considero sublime, na forma de captação e consequente exposição de imagem. O seu realismo, por sua vez, não se prende à velha guarda classicista americana, visto que Kathryn Bigelow, a realizadora, utiliza os planos e a consequente montagem de forma a conciliar o realismo da narrativa com o teor artístico e com a peculiaridade da sua visão.


The Hurt Locker, filmado na Jordânia em 2008, mostra-nos o dia-a-dia de uma divisão anti-bomba do exército americano, numa missão no Iraque. Acompanhamos três elementos da divisão, o sargento William James, interpretado por Jeremy Renner, o Sargento Sanborn, interpretado por Anthony Mackie, e o soldado Owen Eldridge, interpretado por Brian Geraghty, em várias missões de desmantelamento de bombas, bem como no seu quotidiano. Além do mais, observamos como, naquele ambiente de guerra, os três elementos vão tecendo as suas as relações sociais ao longo do tempo, entre eles e os iraquianos da zona.

A originalidade deste argumento surge com a exploração, não só de um tipo de divisão do exército não muito usual, onde a pressão e ansiedade são constantes, mas também na exploração da interacção dos soldados com o meio onde se inserem. Seguimos os três militares nos seus momentos quotidianos, nas suas missões, em momentos privados, na partilha das suas inquietações acerca da guerra. Basicamente, é-nos exposto um retrato bastante videdigno da experiência destes homens.  A própria relação entre eles é pintada de uma forma bastante real. Apesar da forte confiança que este tipo de missão obriga a ter entre os elementos da divisão, a relação entre os três militares é instável, variando, principalmente, por causa da irreverência de William James.  Por sua vez, James, a quem é reservado mais tempo de antena nesta película, vai criar uma certa tensão com Sanborn, devido às diferenças de pensamento, no que toca ao modo como cada um encara as suas missões.

Este filme, apesar de conter este alto teor de realismo, a que tanta apologia tenho feito, é único no que toca ao seu enquadramento, à sua montagem e a sua imagem. Isto tudo concede ao espectador uma visão única desta realidade. Neste momento, devo revelar o que considero ser a chave para tal sucesso na conciliação destas duas categorias supostamente antagônicas. Estado de Guerra utiliza o som de uma maneira bastante realista. Uma banda sonora mínima, apostando em sons reais de situações reais, excluído quase por completo a música. Assim, a utilização de planos menos convencionais, no que toca ao realismo tradicional, não torna o filme pouco realista, antes pelo contrário. A conjunção da edição de som com a forte narrativa retratada nos planos cria uma estranha, mas bastante agradável, forma de realismo.

Deste modo, Bigelow consegue introduzir, de forma implícita e por vezes explícita, questões humanas relativas à guerra, já muito frequentes no cinema e afins, com um teor de credibilidade muito alto. A tensão, a ansiedade, a revolta e a perturbação causadas pela guerra são apresentadas no ecrã de forma orgânica e não puramente formal e artificial.

The Hurt Locker é um filme que, não sendo sublime, acrescenta muito ao cinema, numa área onde, supostamente, havia pouco a acrescentar.  Um elenco respeitável, com a participação “simbólica” de Ralph Fiennes e Guy Pearce, um argumento ainda mais respeitável e uma realização autêntica, artística e um tanto ousada. Enfim, uma realização genial. Um filme digno desse nome, que aposta numa visão artística e não apenas estética, para que, desse modo, possa atingir o público, emocionalmente e intelectualmente.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

The Men Who Stare At Goats: Um Olhar Diferente


Homens Que Matam Cabras só com o Olhar (The Men who Stare At Goats) é um filme com um certo nível de complexidade. Com um elenco de classe, um argumento complexo e um objectivo de topo: Honrar a obra de Jon Ronson. À partida, a missão, tanto de Grant Heslov, o realizador, como de Peter Staughan, o argumentista, seria minimamente árdua. Readaptar com qualidade o best-seller de Jon Ronsoné, compreensível para quem leu o livro, uma tarefa complicada. Digamos que Heslov não se saiu mal. Porém, escapou-lhe algo nesta missão. Algo que falta no filme que o impossibilita de  honrar com dignidade a obra literária. Falta-lhe a verdadeira essência da obra. Mas vamos por partes.
Em Homens que matam Cabras só com o Olhar, acompanhamos a personagem Bob Wilton, interpretada por Ewan McGregor, e o seu trabalho jornalístico acerca de uma estranha divisão do exército americano, intitulada de First Earth Battalion. Esta divisão experimental baseava o seu trabalho na investigação dos poderes paranormais do Homem. Isso mesmo, uma divisão do exército que treinava os seus homens para serem videntes. Regida pelos pensamentos e ensinamentos do movimento New Age, que se centra no potencial humano e nas forças universais que existem dentro do Homem, esta divisão tinha como função treinar Jedis, videntes especializados, para combaterem, ou melhor, para preverem situações de guerra e, deste modo, contrariar o fluxo da guerra em prol da paz universal. Durante a sua investigação,Wilton vai dar de caras com Lyn Cassady, interpretado por George Clooney que, diga-se de passagem, consegue transmitir à sua actuação um realismo muito afincado. Cassady irá narrar-lhe a origem desta divisão e de que forma o exército a utilizou. Isto tudo, enquanto viajam pelo Iraque, em pleno ambiente de guerra.

Posto isto, devemos compreender uma coisa. O livro de Jon Ronson foi baseado numa investigação verídica. Mas, parecendo que não, este facto realça o tom hilariante do argumento. À primeira vista, toda esta intriga surge, aos nossos olhos, como uma sátira ao exército americano e às suas tentativas experimentais de dominar as tecnologias de guerra. Contudo, a verdadeira existência de uma tal investigação paranormal, por parte do exército, não desmorona o objectivo grandioso desta obra. A forma como esta encara sarcasticamente a ideia de uma divisão do exército cheia de videntes vai de encontro ao objectivo: Fragilizar a imagem do exército americano.

A sua adaptação cinematográfica não lhe fica atrás, muito graças ás fantásticas interpretações deMcGregorClooney e Jeff Bridges, cheias de realismo e originalidade. A autenticidade com que as personagens acreditam naquela realidade torna-se, só por si, uma verdadeira comédia satirizada. Mas, ao contrário da obra literária, o filme Homens Que Matam Cabras só com o Olhar peca por falta de dinâmica e fluidez na orgânica da narração. Por outras palavras, apesar da estrutura da narração não ter erros ou lapsos, não consegue hierarquizar as cenas pelo nível de importância estrutural, tornando-se um tanto linear, no que toca à intensidade. Desta forma, o sarcásmo, que poderia ser evidenciado, não é seguro, sendo, em algumas cenas, pouco visível.
Homens Que Matam Cabras só com o Olhar tem um ponto altíssimo no que toca à qualidade. O seu elenco, além de ser de luxo, funciona de forma bastante orgânica e realista. Aliás, o grande trunfo deste filme, que deveria ser o argumento, é o elenco, que consegue salvar uma razoável realização, que não passa disso mesmo, e uma readaptação com pouca criatividade cinematográfica. Apesar de tudo, trata-se de um filme bastante recomendável que, àqueles que não leram o livro, fará crescer a curiosidade de o fazer.