Considerações e opinações sobre a sétima arte.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

The Social Network ou Como ser processado pelo melhor amigo

E se fosses um génio programador e de repente tivesses uma ideia brilhante (que não seria propriamente tua, mas, digamos, uma inspiração de uma outra) em construir uma rede social baseada na exclusividade dos grupos? Se fosses esse alguém, então eras o criador do Facebook, Mark Zuckerberg
David Fincher encontrou algo fascinante na história deste jovem bilionário. A maneira como a sua ganância permitiu destruir a sua relação com o seu mundo social (na verdade essa relação mal existia). Quer dizer, na verdade o que o fascinou foi a facilidade com que Mark enriqueceu sem ser imediatamente processado (penso eu). 
O novo filme de Fincher, estreado no passado dia 4 de Novembro, não é um clássico instantâneo como Fincher nos tem acostumado. Para ver a sua genialidade, basta relembrar o magnifico Seven, ou o Fight Club. Mas temos que admitir que este The Social Network tem uma história e pêras. E bastante bem contada por sinal. 
Contudo, não me agradou o tom com que foi narrada. O que vemos em The Social Network é como Mark passa por cima de todos para levar a sua ideia adiante e se tornar num bilionário. É verdade que o que o movia não era o dinheiro propriamente dito, mas sim o reconhecimento. Mas isso não o desculpa de roubar a ideia a desconhecidos e tramar o seu melhor amigo que sempre acreditou nele. Todavia, a narração fílmica de Fincher é muito (muito é eufemismo) tendenciosa. Mark é retratado como um génio incompreendido que no fundo é óptima pessoa e que só estava a tentar explorar ao máximo o seu potencial. "Ele não é um asshole, só está a tentar ser um". Ideia bastante reforçada durante o filme.
 Cá para mim, Mark é um outro Bill Gates. Ou Steven Jobs, porque não. As histórias de ganância e comportamentos sem escrúpulos no mundo da informática já são bastante conhecidas. A rivalidade microsoft macintosh é já uma lenda urbana, e não pelo seu respeito aos direitos do consumidor. A situação de Mark, que foi posteriormente processado pelo seu amigo e por outros três colegas por lhes ter roubado a ideia da criação do Facebook, só vem reforçar este leque de situações que mancha a fome da evolução tecnológica. 
Sinceramente, creio que Fincher foi bastante propagandista, tentando limpar a imagem de Mark Zuckerberg. A sua história falará um pouco por si. Podemos tentar desculpa-lo, mas a sua ganância é evidente. Mas realmente deixou-me pensativo. Valerá tudo nestes jogos informáticos? Mas afinal que valores é que estão em jogo?
Para os meus amigos informáticos, poucos mas bons, aqui fica o aviso. Se alguma vez criarem uma nova rede social (ou uma nova versão do farmville ou do runescape, porque não), lembrem-se de fazê-lo pela ciência, ou pelo bem estar público ou uma outra motivação moralmente correcta (vá, pelo menos pela vossa família ou assim). E não simplesmente para ser rico ou reconhecido, espezinhando quem aparece pelo caminho.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Do Baú: Pickpocket de Robert Bresson

          E aqui está, como prometido, mais uma edição da rubrica "Do Baú". Esta semana apresento-vos um clássico do cinema francês dos anos 50, Pickpocket em 1959, realizado por Robert Bresson, emblemático realizador conhecido por obras como “Fugiu Um condenado à Morte” e “Peregrinação Exemplar”. O carteirista, na tradução portuguesa, é referido como uma das grandes obras de Bresson, reflectindo todos os seus traços de autor e indo de encontro à sua máxima: "O cinematógrafo é a arte de não mostrar nada”.
Nesta obra de Bresson, somos apresentados a Michael, um homem aparentemente vulgar mas que, através da sua filosofia de vida, decide iniciar uma carreira como carteirista. A sua aventura começa a solo, mas logo cedo encontra outros da sua área e inicia uma intensa formação. E são esses momentos de treino e formação de um carteirista que Bresson faz questão de captar. Mostra-nos a dedicação de Michel em se tornar melhor no que faz, ao ponto de considerar o medo de ser apanhado como adrenalina. E apesar das suspeitas do comissário da polícia, que o tem em permanente vigia, Michel aperfeiçoa a sua técnica a cada dia que passa, gloriando-se e entusiasmando-se cada vez mais por cada novo sucesso.

        Michel crê que existem homens capazes, dotados de inteligência suficiente, talento e até mesmo genialidade, indispensáveis à sociedade que, em vez de estagnarem, deveriam, em certos casos, ser livres de desobedecer à lei, como se de “supra-sujeitos” se tratassem. Michel crê que é um desses homens. Só isso justifica a falta de remorso que tem perante os seus roubos. Sente-se capaz de tudo. A questão da culpa é secundarizada e esquecida.

        Um pouco inspirado na obra “Crime e Castigo” de Fiodor Dostoievski, Robert Bresson procura, neste filme, abordar de um diferente ponto de vista a questão da culpa e da redenção, temas que são usuais nas suas obras. Na exploração daquele que pratica o crime, tenta compreender de onde nasce ou não a culpa e posterior redenção. E se estas não surgirem, qual será o porquê.

Aqui fica a sugestão: Um filme noir, ao estilo francês, de muito fácil digestão, que poderá fazer pensar.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Do Baú: "O Destino" de Youssef Chahine

Venho-vos propor um novo formato. Trata-te de uma rubrica semanal, onde vos irei propor retirar do baú um clássico do cinema. Em breves palavras tentarei-vos convencer a, pelo menos, ir ver o trailler. Se trabalhar bem,  poderei até mesmo levar-vos a visualizar o filme. Em todo o caso, aqui fica a minha primeira tentativa.

"O Destino" de Youssef Chahine
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O filme que vos trago foi realizado em 1997, por Youssef Chahine, o génio do cinema egício que faleceu no passado ano de 2008, famoso pela sua obra “O emigrante”, de 1994, que causou imenso sucesso mas também imensa polémica no egípto, envolvendo até acções judiciais e sociais.


       O Destino, de título original Al-massir, transporta-nos para a Andaluzia do séc. XII, controlada, na época, pelos muçulmanosAcompanhamos a história do famoso filósofo Averrões e da sua luta para manter as suas ideias vivas através dos livros. Pela relação que o filósofo tem com o chefe máximo do território, O Caliph, e da forma como influencia os filhos deste último, Chahine procura retratar a tensão existente entre a religião e a liberdade do pensamento que fez faísca durante tantos anos e ainda faz nos dias de hoje.


        Como é habitual em Chahine, o enquadramento histórico que faz ao filme,  vem acompanhado de uma carga bastante simbólica. A história de Averrões serve de mote para promover as ideias e as livres interpretações, não só da religião, mas também do comportamento humano em geral. O Destino será uma espécie de aviso àqueles que, na cultura muçulmana de Chahine, bem como na nossa cultura ocidental, levam as palavras dos escritos sagrados à letra. Como fica expresso no filme, o homem nasceu com inteligencia suficiente para descodificar os significados sumbliminares das mensagens de Deus e da Natureza. Como diz averrões, “As ideias tem asas. Ninguém pode parar o seu vôo”.

·         Um óptimo filme para ver com olhos de ver e ficar a digerir durante vários dias. Um filme que faz reflectir sobre a condição humana, a liberdade e o pensamento.




sábado, 9 de outubro de 2010

Embargo: a experiência Saramaguiana aplicada ao cinema

A mutação de Embargo, de José Saramago, de conto literário para obra cinematográfica não poderia ter sido mais sublime. Digo isto completamente ciente do peso que poderão ter tais palavras. O trabalho de readaptação é perfeito em todos os pontos, brilhando ainda mais no que toca à artisticidade da narrativa que, apesar de simples, comporta uma carga moralista e emotiva bastante forte, utilizando sempre a ferramenta do sarcasmo.
Não sei bem se é a magnificência e a paradoxal simplicidade da narrativa criada por Saramago, ou se é a excelência da estética criada por António Ferreira, o realizador, que faz deste filme um (futuro) fenómeno do cinema português. Talvez tenha sido o misto entre a potencialidade literária do conto de Saramago com o êxtase criativo de António Ferreira que originou tal obra.
Mas sejamos mais empíricos. O que deve ser subtraído da narrativa originalmente apresentada peloNobel da literatura no seu livro de contos Objecto Quase, publicado em 1978? Em primeiro lugar, devemos reforçar a simplicidade de forma e conteúdo da história e a importância que isso tem. Um sujeito, Nuno, interpretado no filme por Filipe Costa, vive no desalento, mas simultânea esperança, de tentar dar um futuro melhor à sua família. Essa esperança resume-me na sua tentativa de fazer vender uma sua invenção: um digitalizador de pés. Mas a sua angústia descontrola-se quando este fica preso no seu carro, ficando impossibilitado de fazer vender o seu peixe. É esta premissa que, apesar de simples, comporta, nos pequenos pormenores, um potencial simbólico bastante forte. Aqui, devemos atender à crítica que está a ser feita à sobreposição da tecnologia nas nossas vidas e de como esta acabará por consumir-nos ao ponto de nos deixar imobilizados.
O segundo ponto que deve ser referido é a sua carga simbólica e moralista. Mas devemos primeiro ter a atenção  à mutação feita ao conto original de Saramago. No conto de Saramago, a angústia e o desespero do nosso “herói” são levados ao extremo, procurado explorar os perigos da modernização, que leva, no filme, a uma situação pré-anarquia, bem como os perigos da ganância. É explorado o lado mais negro desse desejo, mostrando, no seu desfecho final, o horror de um vida presa àquilo que criámos, a tecnologia, e de como acabamos por perder o controlo sobre essa mesma criação. Nesta adaptação cinematográfica, Tiago Sousa, o argumentista, adoça o desfecho mudando a carga emotiva que até então a audiência tinha experienciado. É alterada a desgraça para uma esperança no futuro e na própria vida relacional, romanceando um pouco a moral da história. No fim, já não é negatividade da industrialização e do desastre social que esta pode causar que é apontada, mas sim a esperança que existe se nos despergarmos dessa negatividade. É dado privilégio às relações humanas, à família e aos pequenos pormenores vivenciais.
Finalmente, e ultrapassada a carga moralista, simbólica e emotiva do filme, falemos um pouco da estética desta película e o que traz de novo à nossa cultura cinematográfica.  A nível estético, o que encontramos em Embargo é uma realização bastante contemplativa. Desde à recorrência aos planos pormenor até ao jogo de lentas panorâmicas à volta do carro de Nuno, tudo vale para puxar a audiência para dentro do filme de forma bastante profunda. Neste caso, a magnífica banda sonora faz um papel fulcral. O envolvimento de cada plano em cada cena e cada cena em cada sequência, adquire a sua perfeição principalmente pela magistral banda sonora que vai muito de encontro ao espírito do filme. É também de salientar, a mestria em termos de fotografia, usando um padrão de tons sepia que vão de encontro à contextualização histórica da época (anos 70/80). No conjunto, cada imagem do filme que recebemos na retina é uma contemplação pura de cada acção, o que acrescenta um toque pessoal na maneira de fazer cinema. Existe aqui, uma corrente que se tenta insurgir, algo novo no panorama cinematográfico português.
Depois de toda esta desconstrução, Embargo resume-se bem no seu teor humorístico, meio sarcástico, com que acaba por moralizar e até fazer pensar. O humor negro por excelência surge encrostado em quase todo filme, nos diálogos, nas acções e na própria narrativa como um todo. É esse humor que faz corroborar a película Embargo com o estilo literário de Saramago. A crítica satírica, o sarcasmo como forma de ataque. É esse o ”sangue” que corre em todas, ou quase todas, as cenas do filme, de forma directa ou indirecta.
António Ferreira precisou de 8 anos para criar uma nova obra, depois de Esquece Tudo o que te Disse. Pessoalmente, dou graças a esses 8 anos de espera, pois é claro que a maturação e o encontro com o artista interior, que vemos em Embargo e pouco ou nada vemos em Esquece Tudo o que te Disse, necessitaram desse período de crescimento.
Um filme que me apaixonou do início ao fim e que me deixou até desleixado nas palavras para o classificar.
Para quem gosta de cinema português. Para quem gosta de cinema. Para quem quem gosta de Arte.

Lucky Luke: O pistoleiro belga


Nasceu, em 1941, na Bégica, uma estrela de B.D. europeu conhecida pela sua extrema destreza com a pistola e pela sua exagerada, mas invejável, sorte. Lucky Luke veio ao mundo com o sucesso nas veias e no universo dos Comics fez as delícias dos amantes destes livrinhos. Porém, tardou a envergar na carreira cinematográfica. Só em 1971, com o filme de animação Daisy Town, de Renné Goscini, pudemos ver pela primeira vez Lucky Luke no écran. E apesar de ser a 3º B.D. com mais sucesso na Europa, o percurso de Lucky Luke na área do cinema e da televisão, entre a animação e a comédia/acção, não chegou a fazer jus ao estrelato até então conseguido na B.D.
Chegamos a 2009, ano da estréia mundial deste novo filme Lukcy Luke, com um antecedente fílmico da saga, Les Dalton, de 2004, realizado por Philippe Haïm, muito pouco aclamado pela crítica. Assim, Lucky Luke é, desde a partida, um filme que não gera muita expectativa, apesar da figura “mítica” que o suporta. O que vemos neste novo filme do místico pistoleiro não difere muito do vimos em Les Dalton. Uma abordagem cómica bastante arriscada que passa algumas vezes a fronteira do ridículo, revelando pouca consistência no seu humor.

Apesar disso, a abordagem de Lucky Luke não deixa de ser um tanto quanto peculiar. A própria caracterização, o vestuário, os cenários e a imagem (com a utilização de cores fortes) ajudam a criar um western europeu que apenas podemos encontrar no livro de quadradinhos. O seu humor, muitas vezes exagerado e desenquadrado, vem descredibilizar essa imagem única.

A narrativa explora um pouco a história de Lucky Luke, incluindo as suas origens trágicas e a razão para este ser o cowboy que jurou nunca matar ninguém. Esta linha mais dramática vai ser retomada no desfeche do filme, jogando com os laços afectivos de Lucky Luke e com os sentimentos que este tem perante a vida. A acompanhar toda esta tragédia, surgem várias personagens famosas do velho Oeste que adoçam esta comédia “semi” dramática, tais como Jesse James, interpretado por Melvil Pupaud, Calamity Jane, encarnada por Sylvie Testud, e Billy The Kid, intrepetado por Michaël Youn.

Porém, é este misto entre a emotividade e o dramatismo da história de Lucky Luke e todo o teor humorístico do filme que gera um certo sentimento de instabilidade e incoerência. Apenas a fabulosa interpretação de Jean Dujardin, que dá vida a Lucky Luke, nos faz sentir alguma empatia com o filme. Em Lucky Luke acontece algo positivo que falhou em Les Dalton. A aura do Lucky Luke da B.D. é finalmente restabelecia no cinema. Ao contrário de Til Schweiger, que assume o papel do pistoleiro mais rápido que a própria sombra em Les Dalton, Jean Dujardin assegura bastante bem a personagem de Lucky Luke, gerindo, de forma magnificente, o seu teor cómico e a sua componente heróica e dramática.

Finalizando, podemos dizer que Lucky Luke não surpreende, nem nos faz ter mais esperança num prisma cinematográfico mais favorável para o pistoleiro mais rápido do Oeste. Não podemos, contudo, descartar o desempenhado do elenco, que deu alma a cada uma das personagens, apesar de algumas se desleixarem no humor lamacento acima descrito.

Um filme apenas para ver o herói de banda desenhada encarnado no grande écran e nada mais.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

WHISKY: O SORRISO DE PAPEL

Um sorriso valerá mais que muitas palavras. Quando é sincero revela contentamento ou alegria. Quando se torna um sorriso de papel, frágil, falso, fingido, revela a instabilidade emocional ou social da pessoa que sorri. Whisky, um filme uruguaio de 2004, que (só) estreou esta semana em Portugal, é uma jóia cinematográfica que joga com pequenos pormenores, como por exemplo esse sorriso de papel, que nos presenteia, em tom alegórico, com uma fantástica história humana da vida quotidiana e das suas repetidas particularidades.
Em Whisky, acompanhamos a vida monótona de Marta Acuña, interpretada por Mirella Pascual, e do seu patrão Jacobo Koller, encarnado por André PazosMarta passa a maioria das suas horas a trabalhar na fábrica de meias de Jacobo, compilando todos os seus movimentos num rigoroso ritual sistemático que faz com que os seus dias sejam todos iguais. Jacobo segue o exemplo de Marta. Toma o mesmo pequeno-almoço no mesmo café exactamente às mesmas horas da manhã. Abre a sua fábrica, gere a contabilidade, sempre num esquema quase mecânico, como as máquinas de fazer meias da sua fábrica.
Este carácter da monotonia quotidiana é reforçado, de forma minimamente exemplar, pelos realizadoresJuan Pablo Rebella e Pablo Stoll. A narrativa é montada nesse mesmo esquema de repetições quotidianas, fomentando a ideia da banalidade dos dias de Marta Jacobo. É aqui que reside grande parte da magia desta película. Na forma tão natural e artística que se expõe visualmente e temporalmente este quotidiano “entediante” de Marta e Jacobo.
O ponto de quebra, onde os sorrisos de papel se dão literalmente (mas que no fundo apenas se tornam cada vez mais frágeis), dá-se quando Jacobo propõe a Marta que esta passe por sua esposa durante a visita do seu irmão, Herman Koller, interpretado por Jorge Bolani. É durante esta farsa que a subtileza desta obra cinematográfica mostra o seu valor. Este sorriso fingido, esta farsa conjugal, que deveria ser apenas isso mesmo, representa, contudo, a vida que Jacobo e principalmente Marta desejavam ter. É a vida propriamente dita. Aquela que procura outras emoções, mesmo que sejam simples e não muito complicadas. Aquela vida que procura coisas novas dentro dos outros, quando já só vemos o mesmo dentro de nós. É vida que sai do sistema, nem que seja só um pouco. A sua vida real é que é a verdadeira farsa. A farsa é a sua verdadeira vida. Ou pelo menos a sua utopia.
Apesar de todas estas qualidades artísticas, Whisky não é um filme para todas as audiências. Esta preciosidade uruguaia poderá ser desconsiderada por muitos. Alguns acharão entediante, sem sentido, com pouca acção. Outros dirão que é um filme desprovido de qualquer valor ou conteúdo. A verdade é queWhisky não é um filme para todos. Está cheio de deliciosas particularidades e pormenores artísticos que demonstram, por si só, a sua qualidade enquanto obra de arte. Whisky é filme para ver, observar eentranhar. Não é um filme de sensações imediatas, mas sim de pequenos (grandes) prazeres.
Uma película absolutamente recomendável, que vem enaltecer, mais uma vez, o cinema sul americano. Entristece apenas pela falta de apoio e promoção que este cinema tem no mundo e principalmente em Portugal.

SEM NOME: A TRAVESSIA PARA O OUTRO MUNDO

Procurar um mundo melhor é sempre uma demanda incansável. Para aqueles que vivem em condições precárias, sem muito que possam dizer ser seu, é o único sonho que surge no seu pensamento. Sem Nome (Sin Nombre) retrata essa aventura desventurada dos imigrantes ilegais que procuram ultrapassar as fronteiras mexicanas e entrar num novo mundo, os Estados Unidos da América. Um mundo de oportunidades. Um mundo de sonhos. Cary Fukunaga, o realizador, teve o cuidado de tentar absorver para dentro desta película, não só a ânsia destas pessoas, como todo o sacrifício que lhe é exigido para poderem sonhar com um futuro melhor.
Em sem Nome surge também retrata, em paralelo com a travessia para o outro mundo dos imigrantes, a realidade vivida no mundo da criminalidade e dos gangs organizados mexicanos. Ao longo do filme, acompanhamos Casper, interpretado por Edgar Flores, na sua vida de crime. Casper acaba por arrastarSmiley para essa vida, encarnado por Kristian Ferrer, uma ainda jovem criança que se torna adulto cedo demais. Casper vai acabar por compreender que a irmandade, que é fomentada pelo seu gang, não passa de uma ilusão. O agir desumano da sua chefia é a prova que acaba por chocar Casper e fazer-lo cruzar o seu destino com Sayra, interpretada por Paulina Gaitan, uma jovem que procura passar a fronteira mexicana.
Neste drama mexicano, somos levados para o íntimo da decadência humana, a criminalidade, onde a sobrevivência rege-se pela lei do mais forte. Mas é nessa precariedade de afectos humanos que acaba por surgir, de forma tão natural, a compaixão e o próprio amor, sentimentos que tão bem definem o ser humano. Sem Nome traz essa mensagem. Alerta-nos para o facto que até nos piores cenários, onde o homem se confunde com a besta e rouba, tortura, saqueia, aniquila e mata, existe ainda uma réstia de bondade. Afinal de contas somos todos feitos do mesmo molde.
Este filme independente vem reafirmar o cinema mexicano (apesar da realização ser norte-americana). A sua qualidade é manifesta e inegável. A construção do fluxo narrativo é o seu ponto forte. Apesar do argumento simples, sem um grande climax e surpreendentes reviravoltas, ou mesmo, pensamentos profundos que nos levem para locais rebuscados da nossa mente, esta película constrói cada cena de forma natural e contínua, causando uma óptima “cadência” visual.
Sem Nome é um filme que conta uma história. É uma história cinematográfica. Uma história sobre pessoas. Sobre a sua natureza e sobre os seus sonhos. Sobre as atitudes que os regem perante os seus sonhos. Uma história que deve ser vista com olhos de ver,  tentando compreender a natureza humana. Um filme para amantes da (com)paixão humana, esteja ela onde estiver.




PESADELO EM ELM STREET: MAIS AMBIENTE, MENOS AURA

Estreou no mês passado, em Portugal, o filme Pesadelo em Elm Street (Nightmare on Elm Street) realizado por Samuel Bayer, um remake do clássico filme de terror de 1984 com o mesmo nome e realizado por Wes Craven.
Realizar uma readaptação deste clássico torna-se, logo à partida, uma tarefa ambiciosa, não só pela dificuldade que é manter o nível do original, bem como utilizar as novas tecnologias cinematográficas para criar um ambiente mais moderno e mais real. Bayer e Michael Bay, o produtor, levaram em conta tudo isso. Porém, o remake do clássico ficou aquém das expectativas.
Pesadelo em Elm Street conta-nos a história de um bairro que se desola com a morte de alguns adolescentes. Estes foram assombrados por terríveis sonhos, mesmo antes da sua morte. Um estranho um homem, de chapéu e lâminas na mão, predominou nos seus sonhos. Este psicopatia, de seu nomeFred Krueger, ataca as suas vítimas nos seus próprios sonhos, não deixando margem de escapatória, senão mesmo não dormir.
Apesar da cena inicial ser promissora, onde todos os planos e técnicas de som, bem como a agilidade da montagem, proporcionam um ambiente e uma mística bastante assustadora, o novo filme Pesadelo em Elm Street revela-se como uma desastroso atentado à imagem da mítica personagem Freddy Krueger.Krueger deixa de ser aquele psicótico assassino, com o seu forte sarcasmo e a com sua penetrante e simultaneamente assustadora presença, para se tornar num mero espantalho com garras que, apesar de não quebrar o ambiente de terror, cai na banalidade. Com este readaptação, Freddy Krueger perde a sua aura.
Possivelmente, a grande perda seja mesmo a falta de Robert Englund a interpretar a personagem que o imortalizou, perante um Jackie Earle Haley sem qualquer garra e sem qualquer habilidade em encarnar um vilão num filme de terror como no filme Pesadelo em Elm Street. No Krueger de Haley deixamos de ver um monstruoso psicopata com controle pleno de tudo o que acontece e até dos próprios pensamentos dos jovens adolescentes, para assistirmos a um vilão sem sal e até um pouco frágil.
Além do mais, a forma como a narrativa está construída, apesar das muitas semelhanças com o original, não deixa de conduzir o filme para o género de teenage movie, o que mais uma vez quebra a mística do clássico. As próprias personagens são um pouco enfraquecidas com a fraqueza da narrativa, o que leva, à semelhança da personagem central Fred Krueger, a uma queda na banalidade, dentro do género.
Todavia, o esforço de Bayer e de Bay não foi de todo em vão. Apesar da parcial destruição da aura do clássico Nightmare on Elm Street, o novo Pesadelo em Elm Street proporciona um bom ambiente de terror, causando um razoável leque de sustos à audiência. Este remake não chega aos calcanhares do original, mas constitui-se como uma agradável experiência para os amantes do género, devido ao excelente aproveitamento tecnológico, tanto a nível de imagem, como de som.