The Man Who Wasn't There

Considerações e opinações sobre a sétima arte.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Indomável – Um “neo-Western” a meio gás


 género Western é, muito provavelmente, o mais emblemático de todos os géneros de cinema. Desde os clássicos de John Ford, como The Man Who Shot Libery Vallance ou The Searchers, até aos Western Sparghetti de Sergio Leone, como o imortal The Good, The Bad and The Ugly, encontramos marcos importantíssimos da História do cinema. No caso do primeiro, encontramos a imagem de um povo e de uma ideologia nacionalista, a América. No caso do segundo, uma forma completamente vanguardista de encarar o género.
Mas há muito que se diz que o Western morreu. Vemos nos anos 60 apogeu e, talvez, a morte deste mesmo. Nos anos 90, com The Unforgiven, numa visão muito mais contemporânea, encontramos o suspiro final deste género já morto. Mas esta nossa última década pareceu querer reavivar este pobre moribundo. Tanto na perspectiva europeia, como por exemplo, com 800 Bullets, como numa perspetiva mais americana ,como por exemplo, com 3:10 to Yuma. E é nesta tentativa de dar nova vida ao velho Western, que os Cohen fizeram chegar até nós este remake do filme de 1969 com o mesmo nome, True Grit (Traduzido para Indomável).
Em Indomável seguimos a história de Matie Ross, interpretada por Hailee Steinfeld, uma rapariga que procura vingar-se da morte do seu pai, morto por um cowboy do velho Oeste. Mattie vai pedir ajuda ao velhoMarshall Rooster Cogburn, encarnado por Jeff BridgesMattie convence Cogburn a levá-la com ele, mas, no seu caminho, encontram o Ranger LaBoeuf, interpretado por Matt Damon, que, apesar de querer apanhar o mesmo homem, não parece estar disposto a seguir as regras de Mattie.
O melhor deste neo- Western, como lhe gosto de chamar, será sem dúvida a qualidade das suas representações. Tanto Damon como Bridges correspondem às espetativas, mas a grande surpresa é StreinfeldMatt Damon encarna um La Boeuf seguro e bastante realista, contudo com poucas características que o revelem como um personagem orginal. Bridges, que tentou fugir ao máximo do espetro de John Wayne, que encarnou Cogburn no original de 1969, tem aqui uma ótima performance, mostrando-se como um verdadeiro velho guarda da lei que, apesar do seu compromisso com a bebida e da sua teimosia, não deixa de perseguir aqueles que não respeitam as leis dos Homens. Contudo, no meu ponto de vista, segue linhas muito idênticas à sua personagem em Crazy Heart, de 2009. No fundo, o que vemos no Cogburn de Bridges é um Bad Blakeversão pistoleiro, o que não deixa de ser bom, mas também repetitivo.
Hailee Steinfeld é, portanto, a jóia do filme. Com apenas 14 anos, agarra em Mattie Ross com tamanha firmeza, que nos apaixonamos de imediato pela coragem da pequena jovem. Aliás, é através dessa indomável vontade que vingar o pai, apresentada no primeiro ato, que criamos imensas espetativas para o que virá de seguida, na sua longa jornada. Contudo, na minha opinião, os restantes atos deitam abaixo as nossas esperanças.
A narrativa perde imenso fulgor a partir do momento em que a viagem destes três aventureiros começa. Poucas vezes somos surpreendidos e os obstáculos que os três perseguidores encontram pela frente, para além de serem simples, não são nada entusiasmantes. Além de não existirem reviravoltas fugazes, a história também perde intensidade por, em primeiro lugar, o melhor dos protagonistas nos ser apresentado logo de início, e segundo, por termos vilões de baixo calibre. Não quero rebaixar o trabalho de Joshn Brolin, mas estou confiante que a sua personagem merecia ser mais marcante, ou pelo menos, ter mais daquele glamour de vilão, como Gene Hackman tinha em The Unforgiven.
Em termos técnicos, nada tenho a apontar. O trabalho audiovisual é fenomenal. Nada que não se esperasse dos irmãos Coen. A qualidade de imagem, o trabalho de montagem e o bom jogo de planos é, novamente, prova de como os Coen sabem contar uma história no grande ecrã. É de salientar o trabalho de fotografia, que nos conseguiu presentear com os excelentes tons secos, quentes e áridos do velho Oeste, que contrastam na perfeição com os tons gélidos da floresta.
Apesar disso, não deixei de ficar desiludido. Esperava uma história mais empolgante. Primeiro por ser um neo-Western. Segundo, por ser um filme dos Coen. Devo confessar que me surpreendeu muito mais o filme 3:10 to Yoma, por exemplo, cuja simplicidade narrativa não deixa de criar bastante excitação e entusiasmo.
Porém, será de certo um forte candidato às estatuetas de Ouro. Muito provavelmente, o Oscar de fotografia é o único que estará quase garantido, tendo apenas como rival O Discurso do Rei. Para as outras categorias, a corrida será mais complicada, não deixando de ser um dos meus cinco favoritos para a estatueta de melhor filme de 2011.
* Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico *

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

The Social Network ou Como ser processado pelo melhor amigo

E se fosses um génio programador e de repente tivesses uma ideia brilhante (que não seria propriamente tua, mas, digamos, uma inspiração de uma outra) em construir uma rede social baseada na exclusividade dos grupos? Se fosses esse alguém, então eras o criador do Facebook, Mark Zuckerberg
David Fincher encontrou algo fascinante na história deste jovem bilionário. A maneira como a sua ganância permitiu destruir a sua relação com o seu mundo social (na verdade essa relação mal existia). Quer dizer, na verdade o que o fascinou foi a facilidade com que Mark enriqueceu sem ser imediatamente processado (penso eu). 
O novo filme de Fincher, estreado no passado dia 4 de Novembro, não é um clássico instantâneo como Fincher nos tem acostumado. Para ver a sua genialidade, basta relembrar o magnifico Seven, ou o Fight Club. Mas temos que admitir que este The Social Network tem uma história e pêras. E bastante bem contada por sinal. 
Contudo, não me agradou o tom com que foi narrada. O que vemos em The Social Network é como Mark passa por cima de todos para levar a sua ideia adiante e se tornar num bilionário. É verdade que o que o movia não era o dinheiro propriamente dito, mas sim o reconhecimento. Mas isso não o desculpa de roubar a ideia a desconhecidos e tramar o seu melhor amigo que sempre acreditou nele. Todavia, a narração fílmica de Fincher é muito (muito é eufemismo) tendenciosa. Mark é retratado como um génio incompreendido que no fundo é óptima pessoa e que só estava a tentar explorar ao máximo o seu potencial. "Ele não é um asshole, só está a tentar ser um". Ideia bastante reforçada durante o filme.
 Cá para mim, Mark é um outro Bill Gates. Ou Steven Jobs, porque não. As histórias de ganância e comportamentos sem escrúpulos no mundo da informática já são bastante conhecidas. A rivalidade microsoft macintosh é já uma lenda urbana, e não pelo seu respeito aos direitos do consumidor. A situação de Mark, que foi posteriormente processado pelo seu amigo e por outros três colegas por lhes ter roubado a ideia da criação do Facebook, só vem reforçar este leque de situações que mancha a fome da evolução tecnológica. 
Sinceramente, creio que Fincher foi bastante propagandista, tentando limpar a imagem de Mark Zuckerberg. A sua história falará um pouco por si. Podemos tentar desculpa-lo, mas a sua ganância é evidente. Mas realmente deixou-me pensativo. Valerá tudo nestes jogos informáticos? Mas afinal que valores é que estão em jogo?
Para os meus amigos informáticos, poucos mas bons, aqui fica o aviso. Se alguma vez criarem uma nova rede social (ou uma nova versão do farmville ou do runescape, porque não), lembrem-se de fazê-lo pela ciência, ou pelo bem estar público ou uma outra motivação moralmente correcta (vá, pelo menos pela vossa família ou assim). E não simplesmente para ser rico ou reconhecido, espezinhando quem aparece pelo caminho.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Do Baú: Pickpocket de Robert Bresson

          E aqui está, como prometido, mais uma edição da rubrica "Do Baú". Esta semana apresento-vos um clássico do cinema francês dos anos 50, Pickpocket em 1959, realizado por Robert Bresson, emblemático realizador conhecido por obras como “Fugiu Um condenado à Morte” e “Peregrinação Exemplar”. O carteirista, na tradução portuguesa, é referido como uma das grandes obras de Bresson, reflectindo todos os seus traços de autor e indo de encontro à sua máxima: "O cinematógrafo é a arte de não mostrar nada”.
Nesta obra de Bresson, somos apresentados a Michael, um homem aparentemente vulgar mas que, através da sua filosofia de vida, decide iniciar uma carreira como carteirista. A sua aventura começa a solo, mas logo cedo encontra outros da sua área e inicia uma intensa formação. E são esses momentos de treino e formação de um carteirista que Bresson faz questão de captar. Mostra-nos a dedicação de Michel em se tornar melhor no que faz, ao ponto de considerar o medo de ser apanhado como adrenalina. E apesar das suspeitas do comissário da polícia, que o tem em permanente vigia, Michel aperfeiçoa a sua técnica a cada dia que passa, gloriando-se e entusiasmando-se cada vez mais por cada novo sucesso.

        Michel crê que existem homens capazes, dotados de inteligência suficiente, talento e até mesmo genialidade, indispensáveis à sociedade que, em vez de estagnarem, deveriam, em certos casos, ser livres de desobedecer à lei, como se de “supra-sujeitos” se tratassem. Michel crê que é um desses homens. Só isso justifica a falta de remorso que tem perante os seus roubos. Sente-se capaz de tudo. A questão da culpa é secundarizada e esquecida.

        Um pouco inspirado na obra “Crime e Castigo” de Fiodor Dostoievski, Robert Bresson procura, neste filme, abordar de um diferente ponto de vista a questão da culpa e da redenção, temas que são usuais nas suas obras. Na exploração daquele que pratica o crime, tenta compreender de onde nasce ou não a culpa e posterior redenção. E se estas não surgirem, qual será o porquê.

Aqui fica a sugestão: Um filme noir, ao estilo francês, de muito fácil digestão, que poderá fazer pensar.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Do Baú: "O Destino" de Youssef Chahine

Venho-vos propor um novo formato. Trata-te de uma rubrica semanal, onde vos irei propor retirar do baú um clássico do cinema. Em breves palavras tentarei-vos convencer a, pelo menos, ir ver o trailler. Se trabalhar bem,  poderei até mesmo levar-vos a visualizar o filme. Em todo o caso, aqui fica a minha primeira tentativa.

"O Destino" de Youssef Chahine
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O filme que vos trago foi realizado em 1997, por Youssef Chahine, o génio do cinema egício que faleceu no passado ano de 2008, famoso pela sua obra “O emigrante”, de 1994, que causou imenso sucesso mas também imensa polémica no egípto, envolvendo até acções judiciais e sociais.


       O Destino, de título original Al-massir, transporta-nos para a Andaluzia do séc. XII, controlada, na época, pelos muçulmanosAcompanhamos a história do famoso filósofo Averrões e da sua luta para manter as suas ideias vivas através dos livros. Pela relação que o filósofo tem com o chefe máximo do território, O Caliph, e da forma como influencia os filhos deste último, Chahine procura retratar a tensão existente entre a religião e a liberdade do pensamento que fez faísca durante tantos anos e ainda faz nos dias de hoje.


        Como é habitual em Chahine, o enquadramento histórico que faz ao filme,  vem acompanhado de uma carga bastante simbólica. A história de Averrões serve de mote para promover as ideias e as livres interpretações, não só da religião, mas também do comportamento humano em geral. O Destino será uma espécie de aviso àqueles que, na cultura muçulmana de Chahine, bem como na nossa cultura ocidental, levam as palavras dos escritos sagrados à letra. Como fica expresso no filme, o homem nasceu com inteligencia suficiente para descodificar os significados sumbliminares das mensagens de Deus e da Natureza. Como diz averrões, “As ideias tem asas. Ninguém pode parar o seu vôo”.

·         Um óptimo filme para ver com olhos de ver e ficar a digerir durante vários dias. Um filme que faz reflectir sobre a condição humana, a liberdade e o pensamento.




sábado, 9 de outubro de 2010

Embargo: a experiência Saramaguiana aplicada ao cinema

A mutação de Embargo, de José Saramago, de conto literário para obra cinematográfica não poderia ter sido mais sublime. Digo isto completamente ciente do peso que poderão ter tais palavras. O trabalho de readaptação é perfeito em todos os pontos, brilhando ainda mais no que toca à artisticidade da narrativa que, apesar de simples, comporta uma carga moralista e emotiva bastante forte, utilizando sempre a ferramenta do sarcasmo.
Não sei bem se é a magnificência e a paradoxal simplicidade da narrativa criada por Saramago, ou se é a excelência da estética criada por António Ferreira, o realizador, que faz deste filme um (futuro) fenómeno do cinema português. Talvez tenha sido o misto entre a potencialidade literária do conto de Saramago com o êxtase criativo de António Ferreira que originou tal obra.
Mas sejamos mais empíricos. O que deve ser subtraído da narrativa originalmente apresentada peloNobel da literatura no seu livro de contos Objecto Quase, publicado em 1978? Em primeiro lugar, devemos reforçar a simplicidade de forma e conteúdo da história e a importância que isso tem. Um sujeito, Nuno, interpretado no filme por Filipe Costa, vive no desalento, mas simultânea esperança, de tentar dar um futuro melhor à sua família. Essa esperança resume-me na sua tentativa de fazer vender uma sua invenção: um digitalizador de pés. Mas a sua angústia descontrola-se quando este fica preso no seu carro, ficando impossibilitado de fazer vender o seu peixe. É esta premissa que, apesar de simples, comporta, nos pequenos pormenores, um potencial simbólico bastante forte. Aqui, devemos atender à crítica que está a ser feita à sobreposição da tecnologia nas nossas vidas e de como esta acabará por consumir-nos ao ponto de nos deixar imobilizados.
O segundo ponto que deve ser referido é a sua carga simbólica e moralista. Mas devemos primeiro ter a atenção  à mutação feita ao conto original de Saramago. No conto de Saramago, a angústia e o desespero do nosso “herói” são levados ao extremo, procurado explorar os perigos da modernização, que leva, no filme, a uma situação pré-anarquia, bem como os perigos da ganância. É explorado o lado mais negro desse desejo, mostrando, no seu desfecho final, o horror de um vida presa àquilo que criámos, a tecnologia, e de como acabamos por perder o controlo sobre essa mesma criação. Nesta adaptação cinematográfica, Tiago Sousa, o argumentista, adoça o desfecho mudando a carga emotiva que até então a audiência tinha experienciado. É alterada a desgraça para uma esperança no futuro e na própria vida relacional, romanceando um pouco a moral da história. No fim, já não é negatividade da industrialização e do desastre social que esta pode causar que é apontada, mas sim a esperança que existe se nos despergarmos dessa negatividade. É dado privilégio às relações humanas, à família e aos pequenos pormenores vivenciais.
Finalmente, e ultrapassada a carga moralista, simbólica e emotiva do filme, falemos um pouco da estética desta película e o que traz de novo à nossa cultura cinematográfica.  A nível estético, o que encontramos em Embargo é uma realização bastante contemplativa. Desde à recorrência aos planos pormenor até ao jogo de lentas panorâmicas à volta do carro de Nuno, tudo vale para puxar a audiência para dentro do filme de forma bastante profunda. Neste caso, a magnífica banda sonora faz um papel fulcral. O envolvimento de cada plano em cada cena e cada cena em cada sequência, adquire a sua perfeição principalmente pela magistral banda sonora que vai muito de encontro ao espírito do filme. É também de salientar, a mestria em termos de fotografia, usando um padrão de tons sepia que vão de encontro à contextualização histórica da época (anos 70/80). No conjunto, cada imagem do filme que recebemos na retina é uma contemplação pura de cada acção, o que acrescenta um toque pessoal na maneira de fazer cinema. Existe aqui, uma corrente que se tenta insurgir, algo novo no panorama cinematográfico português.
Depois de toda esta desconstrução, Embargo resume-se bem no seu teor humorístico, meio sarcástico, com que acaba por moralizar e até fazer pensar. O humor negro por excelência surge encrostado em quase todo filme, nos diálogos, nas acções e na própria narrativa como um todo. É esse humor que faz corroborar a película Embargo com o estilo literário de Saramago. A crítica satírica, o sarcasmo como forma de ataque. É esse o ”sangue” que corre em todas, ou quase todas, as cenas do filme, de forma directa ou indirecta.
António Ferreira precisou de 8 anos para criar uma nova obra, depois de Esquece Tudo o que te Disse. Pessoalmente, dou graças a esses 8 anos de espera, pois é claro que a maturação e o encontro com o artista interior, que vemos em Embargo e pouco ou nada vemos em Esquece Tudo o que te Disse, necessitaram desse período de crescimento.
Um filme que me apaixonou do início ao fim e que me deixou até desleixado nas palavras para o classificar.
Para quem gosta de cinema português. Para quem gosta de cinema. Para quem quem gosta de Arte.