Considerações e opinações sobre a sétima arte.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Alice no País da Desilusão



Tudo parecia ir dar certo. Um orçamento bastante volumoso. Técnicas modernas e de último grito. Actores de classe e nível mundial. Um romance lendário, a derradeira fábula do séc. XIX,  que evocou e ainda evoca imensas visões. E, acima de tudo, um génio do cinema, Tim Burton, cuja capacidade imaginária é para além de única e magnífica, o que se reflecte no seu estilo cinematográfico. Um estilo que, aliado a histórias e narrações peculiares, como por exemplo o livro As Aventuras de Alice no país das Maravilhas de  Lewis Carroll, cria mundos mágicos, de espírito próprio que deslumbram, não só os olhos, mas também a mente. Mas nada disso aconteceu. Antes pelo contrário. Todo o brilhantismo, a arte, o requinte, a magia, a veracidade e autenticação de um estilo próprio, nada disso apareceu no filme Alice no País das Maravilhas (Alice in WonderLand) de Tim Burton. Entrei na sala de cinema esperando tanto, mas o que vi foi tão pouco. A desilusão ficou estampada na minha cara.
Os dois romances de CarrollAs aventuras de Alice no país das Maravilhas e Alice do outro lado do Espelho, contam-nos a história de uma jovem menina,Alice, que, em dois momentos separados, visita um mundo mágico e alternativo, onde existem coelhos apressados, gatos sorridentes e falantes, lebres hiperactivas e um estranho chapeleiro. Um mundo especial, onde Alice irá explorar novas sensações e emoções. Ao longo do tempo, foi-se especulando acerca da verdadeira natureza da história de Alice, variando as interpretações. Uns acreditavam ser a analogia da fase da entrada na puberdade, onde se sofre alterações no corpo, se experimenta novas sensações, novas emoções e se começa a ver o mundo de outra maneira. Outros, acreditavam que a história estava enraizada em inquietações de termos científicos, de carácter matemático, tendo em conta os estranhos e enigmáticos diálogos de Alice com as restantes personagens e visto que Carroll foi também um pensador na área. Isto tudo para mostrar que esta fábula das fábulas é matéria bruta para algo fabuloso. A sua história e a sua envolvência enigmática permitem pensarmos em milhares de interpretações e perspectivas artísticas e cinematográficas. Assim, bastaria uma mente suficientemente criativa, tal como a mente que viaja por um extenso imaginário, como é o caso da de Burton, para concretizar tal esplendor artístico. Mas Burton não parece ter percebido a oportunidade que teve nas mãos.
Tim Burton tomou a liberdade de moldar a historia de Alice ao seu gosto, fundido ideias dos dois romances e acrescentando alguns pormenores. Mas, ao contrário do que muitos esperavam, não introduziu nenhum elemento surpreendente, nenhuma alma mística ou obscura. Todo o filme, se ignoramos a questão estética, é ainda mais inocente do que o filme de animação de 1951 (O que não seria mau se fosse esse o objectivo). Tudo é muito cru, sem entrelinhas. É tudo transparente e floreado. Tudo muito bonitinho para meu gosto. Parece que Burton esqueceu-se de como criar um mundo verdadeiramente mágico e misterioso. Não existe envolvência. Não existe misticismo, nem emoção. Tudo parece uma verdadeira fachada, estampada na cara da audiência como se de fast-food se tratasse. A pergunta é: Onde está o estilo gótico e sombrio que tanto te deu fama, Tim? Ficou em casa? Onde está o espírito mágico de fabulista que dês-te a filmes como O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas) ou  Eduardo Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands)? Já não há mais disso?
Toda a história do filme vai surgindo como um puzzle desfragmentado, onde os pedaços se ligam por finas linhas, as personagens. As cenas vão rolando a um ritmo rápido e constante, mas que nos faz ficar sempre na expectativa que algo aconteça. Mas nada acontece. E assim ficamos, à espera de algo mesmo intenso, algo surpreendente. À espera, à espera, à espera. E chegamos ao final e ainda não vimos nada. Ao menos que culmine com um final grandioso, já que tivemos de aguentar esta sucessão de cenas que, na minha opinião, chegam a ser enfadonhas. Mas nada disso, Burton preferiu jogar pelo seguro e não utilizar a imaginação. Finaliza toda a sua fragmentada narrativa num cenário final, género Senhor dos Anéis, pobre, seco e sem alma. Uma “batalhazita”, sem intensidade ou emoção, resume todos aqueles minutos em que vemosAlice, toda feliz da vida, a andar de um lado para o outro sem uma necessidade concreta, mas simplesmente porque sim. A narrativa separou-se por completo do mundo estético que foi criado através das tecnologias de imagens. E sem essa envolvência, que resulta da enfraquecida narrativa, não há magia.
Claro que há pontos positivos. Mas certamente não devido a Tim BurtonJohnny Depp e Helena Bonham Carter não compactuam com Burton na sua tentativa (conseguida) de desiludir os fãs e presenteiam-nos com grandes interpretações. Devo até afirmar que Helena chega a estar perfeita no seu papel de má da fita, egocêntrica e malvada. Depp também desempenha com honra e dignidade a imagem de um louco chapeleiro que guarda no seu peito um coração bondoso e humano. Em suma, todo o elenco está respeitável, mas se assim não fosse, para além de uma desilusão, teríamos uma catástrofe cinematográfica.

A técnica utilizada é outro dos pontos a louvar, não só no que toca imagem, que como já tínhamos reparado nos trailers, reconstrói um mundo com uma tonalidade de cores bastante interessante, mas também no que toca ao som, que acompanha bastante bem a acção. Já no caso da técnica de 3D, voltamos para o campo da desilusão. Apesar de termos três ou quatro cenas que nos fazem entrar para dentro da tela, passamos o resto do filme a perguntar “porque raio é que temos uns óculos foleiros postos?”. Realmente não houve grande necessidade para o 3D. Só mesmo a necessidade de comercializar ainda mais o filme.
Uma coisa é certa, a Disney terá mais um sucesso de bilheteira. Mas e a cultura cinematográfica? Terá ela algum novo sucesso? Não me parece. Devo finalizar a exposição da minha desilusão, esclarecendo que sou um grande fã do trabalho de Tim Burton e que esperava uma verdadeira obra de arte de Alice no País das Maravilhas. Mas, como expus anteriormente, a minha desilusão foi quase total. O filme não deixa de ser razoável e consumível. Porém, para aqueles que, como eu, amam o trabalho do Sr. Burton, irão ter uma grande desilusão. Boa Sorte com isso.


( Esta crítica está também publicada em http://www.espalha-factos.com/2010/03/alice-no-pais-da-desilusao/ )

Um comentário:

  1. Chico, sabes, eu não desgostei assim tanto do filme. Acho que já nos habituamos ao estilo de Tim Burton pois ele sempre superou as nossas expectativas, nomeadamente no Eduardo Mãos de Tesoura e no Sweeney Todd. Daí que quando o seu nome surge num cartaz, ainda para mais de mãos dadas com o clássico que é a Alice, temos a tendência de o pôr num patamar ainda maior que aquele a que já está e entramos na sala de cinema com uma espécie de borboletas na barriga e o coração nas mãos. Mas, talvez o problema seja mesmo esse: o de exigirmos cada vez mais dele.
    A meu ver o que ''traíu'' os fãs foi mesmo a falta de musicalidade, que se sente imenso, e aquele aspecto um pouco ''mórbido'' (poderei caracterizá-lo assim?) que Burton já nos habituou. Sim, concordo quando dizem que não é um filme de Tim Burton,mas não achei que estivesse assim tão mau. É um filme interessante, um filme que nos leva numa autêntica viagem aos tempos de miúdos. E se calhar era esse o objectivo do realizador: desligar-se um pouco das suas imagens de marca e clicar algo alternativo. Se assim foi, penso que conseguiu atingi-lo na perfeição :)
    Meu amor, este blog é maravilhoso! Muitos parabéns!! :)

    Beijo grande, com saudades

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