
Tudo parecia ir dar certo. Um orçamento bastante volumoso. Técnicas modernas e de último grito. Actores de classe e nível mundial. Um romance lendário, a derradeira fábula do séc. XIX, que evocou e ainda evoca imensas visões. E, acima de tudo, um génio do cinema, Tim Burton, cuja capacidade imaginária é para além de única e magnífica, o que se reflecte no seu estilo cinematográfico. Um estilo que, aliado a histórias e narrações peculiares, como por exemplo o livro As Aventuras de Alice no país das Maravilhas de Lewis Carroll, cria mundos mágicos, de espírito próprio que deslumbram, não só os olhos, mas também a mente. Mas nada disso aconteceu. Antes pelo contrário. Todo o brilhantismo, a arte, o requinte, a magia, a veracidade e autenticação de um estilo próprio, nada disso apareceu no filme Alice no País das Maravilhas (Alice in WonderLand) de Tim Burton. Entrei na sala de cinema esperando tanto, mas o que vi foi tão pouco. A desilusão ficou estampada na minha cara.
Os dois romances de Carroll, As aventuras de Alice no país das Maravilhas e Alice do outro lado do Espelho, contam-nos a história de uma jovem menina,Alice, que, em dois momentos separados, visita um mundo mágico e alternativo, onde existem coelhos apressados, gatos sorridentes e falantes, lebres hiperactivas e um estranho chapeleiro. Um mundo especial, onde Alice irá explorar novas sensações e emoções. Ao longo do tempo, foi-se especulando acerca da verdadeira natureza da história de Alice, variando as interpretações. Uns acreditavam ser a analogia da fase da entrada na puberdade, onde se sofre alterações no corpo, se experimenta novas sensações, novas emoções e se começa a ver o mundo de outra maneira. Outros, acreditavam que a história estava enraizada em inquietações de termos científicos, de carácter matemático, tendo em conta os estranhos e enigmáticos diálogos de Alice com as restantes personagens e visto que Carroll foi também um pensador na área. Isto tudo para mostrar que esta fábula das fábulas é matéria bruta para algo fabuloso. A sua história e a sua envolvência enigmática permitem pensarmos em milhares de interpretações e perspectivas artísticas e cinematográficas. Assim, bastaria uma mente suficientemente criativa, tal como a mente que viaja por um extenso imaginário, como é o caso da de Burton, para concretizar tal esplendor artístico. Mas Burton não parece ter percebido a oportunidade que teve nas mãos.

Tim Burton tomou a liberdade de moldar a historia de Alice ao seu gosto, fundido ideias dos dois romances e acrescentando alguns pormenores. Mas, ao contrário do que muitos esperavam, não introduziu nenhum elemento surpreendente, nenhuma alma mística ou obscura. Todo o filme, se ignoramos a questão estética, é ainda mais inocente do que o filme de animação de 1951 (O que não seria mau se fosse esse o objectivo). Tudo é muito cru, sem entrelinhas. É tudo transparente e floreado. Tudo muito bonitinho para meu gosto. Parece que Burton esqueceu-se de como criar um mundo verdadeiramente mágico e misterioso. Não existe envolvência. Não existe misticismo, nem emoção. Tudo parece uma verdadeira fachada, estampada na cara da audiência como se de fast-food se tratasse. A pergunta é: Onde está o estilo gótico e sombrio que tanto te deu fama, Tim? Ficou em casa? Onde está o espírito mágico de fabulista que dês-te a filmes como O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas) ou Eduardo Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands)? Já não há mais disso?

Claro que há pontos positivos. Mas certamente não devido a Tim Burton. Johnny Depp e Helena Bonham Carter não compactuam com Burton na sua tentativa (conseguida) de desiludir os fãs e presenteiam-nos com grandes interpretações. Devo até afirmar que Helena chega a estar perfeita no seu papel de má da fita, egocêntrica e malvada. Depp também desempenha com honra e dignidade a imagem de um louco chapeleiro que guarda no seu peito um coração bondoso e humano. Em suma, todo o elenco está respeitável, mas se assim não fosse, para além de uma desilusão, teríamos uma catástrofe cinematográfica.

Uma coisa é certa, a Disney terá mais um sucesso de bilheteira. Mas e a cultura cinematográfica? Terá ela algum novo sucesso? Não me parece. Devo finalizar a exposição da minha desilusão, esclarecendo que sou um grande fã do trabalho de Tim Burton e que esperava uma verdadeira obra de arte de Alice no País das Maravilhas. Mas, como expus anteriormente, a minha desilusão foi quase total. O filme não deixa de ser razoável e consumível. Porém, para aqueles que, como eu, amam o trabalho do Sr. Burton, irão ter uma grande desilusão. Boa Sorte com isso.
( Esta crítica está também publicada em http://www.espalha-factos.com/2010/03/alice-no-pais-da-desilusao/ )
Chico, sabes, eu não desgostei assim tanto do filme. Acho que já nos habituamos ao estilo de Tim Burton pois ele sempre superou as nossas expectativas, nomeadamente no Eduardo Mãos de Tesoura e no Sweeney Todd. Daí que quando o seu nome surge num cartaz, ainda para mais de mãos dadas com o clássico que é a Alice, temos a tendência de o pôr num patamar ainda maior que aquele a que já está e entramos na sala de cinema com uma espécie de borboletas na barriga e o coração nas mãos. Mas, talvez o problema seja mesmo esse: o de exigirmos cada vez mais dele.
ResponderExcluirA meu ver o que ''traíu'' os fãs foi mesmo a falta de musicalidade, que se sente imenso, e aquele aspecto um pouco ''mórbido'' (poderei caracterizá-lo assim?) que Burton já nos habituou. Sim, concordo quando dizem que não é um filme de Tim Burton,mas não achei que estivesse assim tão mau. É um filme interessante, um filme que nos leva numa autêntica viagem aos tempos de miúdos. E se calhar era esse o objectivo do realizador: desligar-se um pouco das suas imagens de marca e clicar algo alternativo. Se assim foi, penso que conseguiu atingi-lo na perfeição :)
Meu amor, este blog é maravilhoso! Muitos parabéns!! :)
Beijo grande, com saudades