Considerações e opinações sobre a sétima arte.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Whatever Works: Uma fábula Urbana



Whatever Works  foi, para mim, uma lufada de ar fresco. Humor requintado, actuações soberbas e um estilo único que transforma qualquer simples história num marco cinematográfico. Tudo o que se espera de um filme de Woody Allen. Mas existe algo de particular nessa sua nova obra. Algo que Woody não tinha vindo a conseguir nos últimos trabalhos, talvez com excepção de Vicky Cristina Barcelona. Algo que o distingue dos outros cineastas. Whatever Works está repleto de um esplêndido teor de humor negro que, apostando na complexidade dos diálogos, faz rir o espectador de uma ponta a outra do filme.

Nesta nova película, Woody Allen recriou a sua personagem-padrão favorita, o cómico e excêntrico hipocondríaco. Todavia, e pela primeira vez, não foi o próprio que usufruiu da sua encarnação, sendo esse prazer concebido a Larry David. Larry David, nome sonante na área da televisão, tanto na escrita como na actuação, basta relembrar o clássico Seinfeld, onde foi dois primeiros argumentistas, e a série Curb your Enthusiasm, pela qual foi nomeado para o Globo de Ouro e para o Emmy múltiplas vezes, assume o papel de Boris, um génio de física quântica frustrado pelas incompatibilidades que tem com a vida. Esse seu fracasso social reflectiu-se no seu divórcio e na sua primeira tentativa de suicídio. Boris tem perspectivas muito afincadas sobre o sentido da vida. Para ele não existe nenhum. Tudo o que sonhamos, tudo o que projectamos e tudo o que fazemos é um conjunto de meros passos amorfos que caminham para um só caminho final: a morte. Assim, menospreza todos aqueles que ambicionam a grandeza, amores-perfeitos e finais felizes. E para isso não poupa na violência das palavras. Para ele, todos esses sonhadores não passam de vermes incultos. Mas a sua mesquinhice não fica por aqui. Boris é um hipocondríaco de alto gabarito que, para além de acreditar que sofre de todas as doenças, enerva-se com facilidade com mínimos pormenores. À noite, acorda com crises de ansiedade, inconsolado e incrédulo com a efemeridade da vida. Em Boris podemos rever todos aqueles traços que Allen adora colocar nas personagens que usualmente encarna. Boris é o cliché da indignação. É o grande chavão do snobismo. É a cara da ânsia e da frustração. Boris é o culminar do aperfeiçoamento de uma personagem, de uma personalidade, que Allen tem vindo a construir desde a idade primitiva da sua obra.

É assim, com esta personagem marcante, que Woody Allen nos vai jogar na cara um balde cheio de humor inteligente. Os temas e as questões da religião, da aculturação, da discriminação, são todos pontos legítimos neste grande plano humorístico de primeira classe. Contudo, não satisfeito, Allen cruza Boris com o seu oposto intelectual, como quem choca um átomo com um outro causando uma explosão nuclear. Melady, é uma ingénua jovem sulista, que fugiu da casa dos pais no Missisipi e refugiou-se em Nova York. Ao encontrar Boris, acidentalmente, vai-lhe pedir auxílio para conseguir sobreviver na cidade que nunca dorme. Melady é uma rapariga sonhadora que acredita no amor. As suas ideias não são muitas e a sua fé em Deus e nos costumes da família são grandes. É, para Boris, tudo o que odeia num ser humano. Mas é esse mesmo factor de oposição que faz crescer o interesse de Boris pela rapariga e gerar uma peculiar relação entre os dois. Posteriormente, para apimentar as coisas, os pais de Melady chegam à grande cidade em busca da filha, mas acabam por embarcar num verdadeiro barco do amor e da libertação.


O enredo de Whatever Works não é muito complexo. Aliás, dentro do paradigma Alleniano, podemos dizer que até um pouco banal. Mas quem precisa de floreados narrativos quando se tem personagens tão características, diálogos extravagantemente inteligentes e um humor negro que só os mestres são capazes de produzir? Whatever Works é uma representação única da visão de Allen acerca do amor, dos sonhos e da própria vida. É mais que uma história. É mais que uma narração. É uma maneira de contar algo. E como diria Chico Buarque, por vezes a forma como contamos uma história sobrepõem-se à história em si. A estrutura desta obra cinematográfica, mais do que contar-nos uma história, transmite-nos uma ideia, uma visão.


 Perante este filme, encontramos uma parábola, uma fábula urbana que nos descreve o amor, não como algo premeditado, mas como um acaso, fruto da sorte dos acontecimentos. Basicamente um apelo ao aproveitamento da vida e do dia, visto que tudo pode dar certo e nada está destinado a acontecer.


(Esta crítica está publicada em www.espalha-factos.com com o nome de "Tudo pode dar certo: uma parábola urbana") 




Francisco Noras




quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O "Carpe diem" em Up in the air













Estreou hoje, dia 21 de Janeiro de 2010, o filme Up in the air produzido pela Paramount Studios e realizado por Jason Reitman. Depois de ter ganho sucesso com o filme Juno em 2007, valendo-lhe uma nomeação para melhor argumento, Reitman apresenta-nos uma produção mais abastada a nível financeiro, mas que não se desvia do género cinematográfico usual na sua ainda jovem carreira: a comédia dramática. Up in the air, nomeado para 6 globos de ouro americanos  e vencedor de um outro para melhor argumento, no presente ano, constrói a sua narrativa à volta da personagem Ryan Bingham (interpretado por George Clooney) e da sua forma peculiar de ganhar a vida. Bingham trabalha numa agência que se especializa em despedir funcionários de outras empresas de forma a reformular as necessidades dessas mesmas. Para isso, Bingham viaja de avião por todos os estados dos E.U.A., de empresa em empresa, despendido pessoas a torto e a direito. Contudo, a peculiaridade da personagem interpetada por Clooney, não é o seu estranho emprego, mas sim a sua afinidade pelas suas viagens de trabalho. Este seu  à vontade com as viagens aéreas faz com que ele só se sinta em casa quando está a voar, desvinculando-se da vida “normal” e das relações sociais que poderia ter na sua cidade natal. Aliás, é o próprio que desenvolve uma filosofia de vida baseada nesse imaterialismo físico e social, tentando encarar a vida sem preocupações ou responsabilidades. De uma forma destanciada e despreocupada.


Em Up in the air deparamo-nos com uma hístória sobre a qualidade individual do ser humano, e da sua funcionalidade na sociedade. Através do distanciamento dos compromissos sociais, evidenciado na personagem de Clooney, o filme estrutura-se com o objectivo de explorar a questão do sentido social do ser humano e da sua necessidade em relacionar-se com outros indivíduos e de se comprometer e criar laços a um nível para além do “casual”. A filosofia do distanciamento de Bingham, que até revela um certo egoísmo por parte de que a pratica, vai ser posta em causa quando este se depara com Alex Goran (interpretada por Vera Farmiga) num encontro  amoroso casual, sem compromissos, que, posteriormente e quase acidentalmente, traz a Bingham a vontade de se ligar à vida de uma forma mais comprometedora. O sentido da vida, a funcionalidade de cada indíviduo no mundo surge como problemática na temática do distanciamento/compromisso com a vida. 

Apesar da forte complexidade e desenvolvimento da personagem de Bingham e da excelente prestação de Clooney, que nos revela um lado mais suave e mais susceptível a questões dramáticas e emocionais que, até então não estávamos habituados, o enredo não é forte o suficiente para conseguir transmitir com peculiar firmeza a mensagem implícita no argumento. O suporte onde se sustenta o filme Up in the air, apesar da sua estranha originalidade, não deixa de ser, paradoxalmente, pouco substâncial, opaco e exacerbadamente suave, tendo em conta o projecto ambicioso de algumas linhas do argumento. A questão da vivência humana sem relações muito comprometedoras, seguindo o tão citado “carpe diem”, tenta surgir como temática de todo o filme, sendo mesmo o seu final a tirada de conclusões de toda a experiência da filosofia de vida de Bingham. Contudo, a ligeireza de como a situação de Bingham nos é apresentada, num género de filme famíliar ou de comédia romântica suave, tira-lhe toda a seriedade e a intensidade que podia ter ao retratar um temática deste tipo de peculariedade emotiva e social. 


Podemos concluir que, seguindo a sua catalogalização de comédia dramática, Up in the air honra o género, apostando na centralidade da personagem principal e na sua riqueza de traços personalizados. Os momentos de comédia variam deste o tradicional humor físico até  algumas referências a um certo humor negro. Todavia, a forma  pouco substancial como se estruturou o enredo e o próprio argumento, faz com que Up in the air tenha certas dificuldades em se constituir como um clássico desta década e em pernoitar na memória colectiva do público.




Francisco Noras 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Os 10 melhores filmes da década de 2000-2009





Mais um ano se passou. A passagem de ano fica marcada por mais um série de promessas e expectativas em relação ao que está para vir.  Neste último ano, o mundo cinematográfico vivenciou tanto momentos bons, como momentos maus, mas foi, sem espaço para dúvidas, um ano recheado de surpresas inovadoras. Certamente, o ano de 2010 irá-nos reservar novas experiências, que, provavelmente, corresponderão às expectativas traçadas pelo público no ano de 2009. Uma coisa é certa, o fluxo de inovações tecnológicas aplicadas ao cinema não parará de crescer. Basta pensarmos em filmes como a trilogia "The Lord of The Rings", "A Scanner Darkly" e "Avatar", para compreendermos que algo de novo está a acontecer no cinema.  Os últimos anos de Hollywood, e das outras indústrias cinematográficas, mostraram-nos que o cinema se está a metamorfosear, para melhor ou pior (fica ao critério de cada um). Com as novas técnicas de animação, efeitos especiais, efeitos 3d, entre outras, esta transformação torna-se ainda mais a cara deste novo século.  
Com o ano de 2010, surge também uma nova década, que poderá ser decisiva no que toca à afirmação desta nova forma de fazer cinema.  Contudo, antes de especularmos em relação ao futuro, é sempre saudável ponderar em relação ao passado. Deste modo,  propus a mim mesmo escolher os filmes mais marcantes desta última década. Apesar da ponderação ter sido bastante dificultada pela imensa qualidade cinematográfica que foi produzida nestes últimos dez anos, cheguei a um veredicto final.  
Eis os dez melhores filmes da década de 2000-2009, segundo o meu ponto de vista.



10º - Mulholland Dr. (2001)
Realizado por David Lynch, "Mulholland Dr." é caracterizado pelo seu argumento fragmentado e   pelo seu teor surrealista e enigmático que tanto caracterizam toda obra de Lynch. É, provavelmente,  o filme mais aclamado do realizador e aquele que mais o identifica. Garante um lugar neste top devido à sua ousadia, à sua complexidade e ao seu estilo, único no panorama do cinema actual.



9º - Sen to Chihiro No Kamikakushi (2001)
  "Sen To Chihiro No Kamikakushi", também conhecido por "Viagem de Chihiro", é um marco no género de animação. Criado pelo mestre do Anime Japonês, Hayao Miyazaki, este filme, vencedor do Oscar de melhor animação em 2003, retrata, ao jeito mágico de Miyazaki,  um mundo misterioso cheio de aventuras e experiências transcendentes.

8º - Hable Con Ella (2002)
"Hable Con Ella", vencedor de um oscar em 2002, é um retrato emocional das relações humanas e da forma como o homem encara a mulher como parte do seu mundo. Pedro Almodóvar, realizador de "Hable Con Ella", conta-nos, neste filme, a história de um homem que se explora a si próprio e a relação que tem com o mundo, conversando com uma mulher que se encontra em coma há vários anos. 


7º - Requiem for a Dream (2000)
Um filme frio e cru, que relata uma realidade fria e crua. "Requiem for a Dream" é uma viagem bruta e  emocional no mundo das drogas, relatando, sem preconceito, o vício e a degradação humana encontrados na toxicodependência. Realizado por Darren Aronofsky, este filme conta com uma estrondosa interpretação de Ellen Burstyn, que dá vida a Sara Goldfarb, a prova viva de que a desgraça pode tocar a todos.


6º - The Lord of The Rings: The Return of The King (2003)
A trilogia "The Lord of The Rings" não só arrematou com as bilheterias,  como também com a crítica. O início da década foi presenciado com o que poderá ser um dos maiores épicos de sempre, fazendo frente aos clássicos. "The Lord of The Rings: The Return of The King", realizado por Peter Jackson e vencedor de 11 Oscars em 2004, representa o culminar de uma trilogia que "ataca" fortemente o género fantástico, recheando o nosso imaginário de imagens saborosíssimas. 

5 º - El Laberynto del Fauno (2006)
 Em "El Laberynto del Fauno", a fantasia funde-se com a realidade para nos contar a história de uma menina que vive o drama da guerra civil espanhola. O retrato desta cruel realidade envolve-se tão naturalmente com a magia do mundo encantado criado pela personagem central, que semeia um duo de encanto e amargura nos nossos corações. Realizado por Guilherme Del Touro, "El Laberynto del Fauno" arrecadou 3 Oscars em 2007.

4º - Le fabuleux destin d'Amélie Poulain (2001)
"Le fabuleux destin d'Amélie Poulain" faz jus ao seu nome. A Amélie Poulain, é reservando um destino fabuloso, mas o que o torna fabuloso é a forma como é narrado. A delicadeza de cada acontecimento e o encanto e a  peculiaridade com  que Amélie o vive  e o relata, torna este filme um marco do cinema mundial. Realizado por Jean-Pierre Jeunet, conta com uma excelente interpetação de Audrey Tautou.

3º - The Dark Knight (2008)
 O último lugar do pódio está reservado ao filme  realizado por Christopher Nolan e vencedor de 2 Oscars em 2009. "The Dark Knight" surgiu como uma bomba nos cinemas, revolucionando a forma de se encarar a saga de Batman. Cada segundo do filme faz delícias aos olhos, valendo cada Dollar gasto. A histórica interpretação de Heath Ledger valeu-lhe um Oscar e um lugar no topo dos melhores actores desta década.


2 º - "Memento" (2000)
"Memento" não corresponde às regras normais da construção cinematográfica. A sua narração surge como a memória do protagonista: Fragmentada. O terceiro filme de Christopher Nolan retrata o poder da memória humana na vida de um homem e, analogamente, do Homem. Um filme de extrema classe, que joga com as sequências das cenas de forma tão natural que alicia por completo a nossa atenção. É, sem dúvida, uma obra prima do cinema moderno.

1º - "Cidade de Deus" (2002)

"Cidade de Deus" é, simplesmente, uma película digna deste lugar. A sua qualidade artística, tanto a nível de imagem e fotografia, como a nível de realização e de enredo, torna a sua visualização um dos maiores prazeres que conheço. O retrato da favela "cidade de deus" feito num equilíbrio prefeito entre realidade e ficção, captando a violência e o extremo da condição humana encontrados neste tipo de favelas, coloca o cinema como uma forma de arte única, responsável por fomentar no Homem toda a emoção e toda a transcendência da mente humana. A sua realização vai de encontro à naturalidade da visão humana, tornando a câmara e a projeção das imagens algo natural. Sentimo-nos como que presentes na narração. Esta característica dá a Fernando Meirelles, realizador de "Cidade de Deus", um estatuto de génio do cinema, que lhe assenta que nem uma luva.



Francisco Noras